Padre Paulo Ricardo – O Senhor dos Anéis

Pe. Paulo Ricardo fala sobre O Senhor dos Anéis, identificando valores como a luta contra o Mal, o fardo carregado por um inocente para a salvação do mundo, o amor, a amizade e a união em torno de um objetivo comum. [Acesse a descrição completa]

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Visão geral

Neste vídeo publicado no dia 26 de setembro de 2013 e feito para recordar os 40 anos da morte de J.R.R. Tolkien, o Padre Paulo Ricardo ensina sobre a criação mais famosa desse grande escritor católico O Senhor dos Anéis, uma obra enormemente importante e seminal de fantasia medieval que inspirou e inspira uma infinidade de outros trabalhos, o que inclui filmes, séries, jogos de tabuleiro e games.

No decorrer da sua exposição, este sacerdote da Arquidiocese de Cuiabá – que também é escritor, além de apresentador – fala sobre valores que podem ser identificados nos três volumes do livro, como a luta contra o Mal, o peso do fardo carregado por um inocente para a salvação do mundo, a importância do amor e da amizade, a união em torno de um objetivo comum.

O padre argumenta que todos esses valores cristãos são retratados de maneira fantástica no mundo criado por Tolkien e que é possível enxergar por trás de seu imaginário a história da salvação oferecida por Cristo aos homens.

Ou seja, ainda de acordo com o sacerdote, embora as pessoas no Brasil conheçam mais a obra pela trilogia de Peter Jackson, a saga que saiu da pena de J. R. R. Tolkien é algo muito maior que isso. Claro, são filmes inequivocamente muito bons e tem a série The Hobbit também, mas acaba não fazendo diferença neste contexto.

Sir John Ronald Reuel Tolkien nasceu em 1892, na cidade de Bloemfontein, onde viria a ser a atual África do Sul, e já muito cedo se mudou para a Inglaterra, terra natal de seus pais. O seu pai, Arthur Tolkien, morreu em 1896, deixando esposa e filhos em uma difícil situação financeira. Quando Mabel Suffield, sua mãe, passou da religião anglicana à Igreja Católica, sua família negou-lhe ajuda, e ela passou o martírio de cuidar sozinha dos filhos para que não caíssem nas mãos de seus familiares. Por causa do excesso de trabalho e do diabetes – sem tratamento na época –, ela veio a falecer. No seu testamento, porém, estabelecia como tutor das crianças um padre jesuíta, garantindo-as uma educação católica. Foi de tal sorte valiosa a educação que J. R. R. recebeu que, de seu casamento com Edith Bratt, em 1913, advieram-lhes quatro filhos, dentre os quais um tornou-se sacerdote.

Muito embora Tolkien não tenha abordado de modo explícito a questão da fé em O Senhor dos Anéis, pois ele queria simplesmente experimentar sua capacidade de aventurar-se por uma narrativa longa e que pudesse entreter os leitores, toda ela traz, em si, vários valores religiosos e católicos.

Sob a perspectiva das quatro causas de Aristóteles, é possível identificar no livro de Tolkien na causa formal: a forma mentis, a mentalidade que inspira toda a saga é, sem sombra de dúvida, moldada pela doutrina católica. O próprio autor reconhece que a história se passa dentro de um ethos católico.

Tolkien nega, porém, que O Senhor dos Anéis seja uma alegoria, algo característico das obras de outro escritor cristão, o anglicano C. S. Lewis, seu amigo. Uma das controvérsias que marcaram seus encontros esteve relacionada justamente à forma de escrever seus textos: aquele dizia não gostar de alegorias, pois considerava uma espécie de violência do autor contra o leitor; este, ao contrário, produzia-as aos montes, como é notável em seu célebre As Crônicas de Nárnia. Por exemplo: quem entra em contato com esta obra e não percebe, desde o início, que Aslam é Jesus Cristo, não consegue compreender o que se passa na história.

A obra de Tolkien, neste sentido, é muito mais rica: substitui a construção alegórica por uma representação bem mais maleável. Por exemplo, os três protagonistas da obra, Frodo, Gandalf e Aragorn, são uma imagem do Cristo que ressuscita: Frodo chega perto da morte na Montanha da Perdição e, lá, derruba o anel; Gandalf morre enfrentando Balrog (não o do Street Fighter II), mas ressuscita como Mago Branco; Aragorn, então rejeitado como um simples ranger, torna-se o rei que retorna. Ao mesmo tempo, os personagens representam as dimensões sacerdotal, profética e régia de Cristo: Frodo é Cristo-sacerdote, que se oferece em sacrifício para vencer o mal; Gandalf é Cristo-profeta, que com suas sabedorias e conselhos conduz aqueles que batalham contra o mal; e Aragorn é Cristo-rei, que, primeiro, era desprezado pelos seus, mas, depois, volta para reinar.

O Padre Paulo Ricardo continua. Pra ele, O Senhor dos Anéis deve ser um livro de cabeceira, com o qual devemos gastar o tempo, quando estivermos dispostos ao lazer. O próprio Doutor Angélico (Santo Tomás de Aquino) reconhece a necessidade do homem de descansar sua alma com momentos lúdicos e recreativos:

“Essas palavras e ações nas quais não se busca senão o prazer da alma chamam-se divertimentos ou recreações. Lançar mão delas, de quando em quando, é uma necessidade para o descanso da alma. E é o que diz o Filósofo, quando afirma que ‘em nosso dia-a-dia, é com os jogos que gozamos de algum repouso’. Por isso, é preciso praticá-los, de vez em quando.” [1]

Sim. Aqui na Gaming Room, caso você não saiba, tem alguns jogos. Mas vamos prosseguir:

Portanto, a conclusão lógica é que cultivar uma literatura como esta é importante, e não só para fins recreativos, mas também para a melhor compreensão da própria fé cristã. Mais importante do que o que você fará com O Senhor dos Anéis é o que O Senhor dos Anéis fará com você. Sua temática, embora não diretamente uma questão religiosa, conduz-nos de alguma forma a esta luta contra o mal, na qual Deus está implicitamente presente. Ainda que em momento algum Tolkien fale de Deus na obra, Ele é o personagem principal de toda a história. A obra trata de um mundo fictício, pré-cristão, no qual estamos de alguma forma sendo preparados para Cristo – da mesma forma que o Antigo Testamento preparou nossa vontade, a filosofia grega preparou nossa inteligência e os mitos prepararam as nossas paixões para a vinda do Salvador.

O que o padre ensina aqui ainda vai além. Segundo o sacerdote, um dos grandes problemas da pedagogia moderna é que as histórias que antes eram narradas com toda a tranquilidade para nossas crianças têm desaparecido. Elas foram substituídas por fábulas ideológicas, que lhes querem transmitir outros valores. Para evangelizar uma pessoa, é necessário recuperar essas histórias fantásticas que têm sido abandonadas por certos “educadores” contemporâneos. É importante que sejam introduzidas nela as categorias cristãs – como numa casa é preciso que haja primeiro os cômodos, para depois ser colocada a mobília. A fantasia é importante para criar espaços e preparar o terreno para Jesus.

De que modo, então, Deus é o protagonista de O Senhor dos Anéis? O tema principal de toda a saga é a destruição de um anel. O anel da invisibilidade é a potência terrível do pecado original, a tentação do ser humano de colocar-se no lugar de Deus. Existem duas formas de agir dentro da história: há aquelas pessoas que, em contato com a realidade, deixam transformar a sua alma pela verdade e aqueles que preferem transformar a verdade, manipulá-la e pervertê-la. Os elfos têm aquele primeiro tipo de ação, benigna; são artistas, são cocriadores, eles criam, mas junto com Deus: fazem poesia, cantam e essas coisas são capazes de mudar os corações. Do outro lado, há os orcs, que querem perverter o mundo real – e representam, de certo modo, a mentalidade revolucionária.

Durante a narrativa, Tolkien abre uma janela para mostrar que a história é apenas uma preparação para o Evangelho que virá. No primeiro livro – A Sociedade do Anel –, Gandalf diz a Frodo:

“Por trás disso havia algo mais em ação, além de qualquer desígnio de quem fez o Anel. Não posso dizer de modo mais direto: Bilbo estava designado a encontrar o Anel, e não por quem o fez. Nesse caso você também estava designado a possuí-lo. E este pode ser um pensamento encorajador.” [2]

Percebe-se na fala do Mago Branco a existência de um “desígnio”, uma providência que age por detrás da história.

Outro exemplo de transcendência, de abertura ao divino, está em O Retorno do Rei. Quando Frodo e Sam estão já perto da Montanha da Perdição, uma região que “parecia cheia de estalos, rangidos e ruídos dissimulados” e onde “o céu noturno estava pálido e baço”, Sam avista uma estrela:

“Lá, espiando por entre os restos de nuvens sobre uma rocha pontiaguda nas montanhas, Sam viu uma estrela branca reluzir por uns momentos. Sua beleza arrebatou-lhe o coração, quando desviou os olhos da terra desolada, e ele sentiu a esperança retornar. Pois como um raio, cristalino e frio, invadiu-o o pensamento de que afinal de contas a Sombra era apenas uma coisa pequena e passageira: havia luz e uma beleza nobre que eram eternas e estavam além do alcance dela.” [3]

Quando o ser humano se depara com muitas notícias ruins, com uma realidade às vezes pouco entusiasmante, com uma autêntica “Sombra”, devolve-lhe esperança o fato de que, para além de toda a maldade e violência deste mundo, para além de toda a transitoriedade das realidades terrenas, há “luz e uma beleza nobre (…) eternas“.

Aqui se introduz o que Tolkien chama de eucatástrofe: quando o pior está acontecendo, quando a situação está ruim, quando tudo parece desesperador, acontece o contrário da catástrofe – uma “boa catástrofe”: por que as coisas são assim em O Senhor dos Anéis? Porque foi precisamente isto o que aconteceu há 2000 anos atrás, com a ressurreição de Cristo. A partir da leitura de todas as lendas e mitos antigos, é possível perceber esta linha de continuidade: há um ambiente bom, perturbado por uma maldade, e que, depois, é redimido de alguma forma. No Evangelho, isto que estava presente apenas nos mitos fez-se carne, fez-se história. Aquilo que todos os mitos previam e que o esforço racional humano apenas alcançava imperfeitamente aconteceu de modo pleno em Cristo.

O Senhor dos Anéis tem essa capacidade extraordinária de conduzir-nos ao abismo para tirar-nos de lá. É a razão presente não só na literatura, mas também na música – nas composições de Mozart, por exemplo – e em outras modalidades artísticas. Todas elas, transparecendo a Beleza, conduzem ao cume da redenção, que se realizou na história: a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.


Este texto bonito e bem escrito acima foi praticamente todo tirado de um post antigo que sumiu do site do Padre Paulo Ricardo.

Ufa. Tinha muita coisa.

Fontes e mais Senhor dos Anéis


Vídeo adicionado em: 25 de setembro de 2022

Categorias: Matérias, Vídeos

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Canal: Padre Paulo Ricardo

Acessado: 33 vezes.

Duração: 1:05:41

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