Considerações econômicas, sociais e morais sobre a hype

"Stop being so hype about things. It doesn't help anyone and that's it for now."


18 de agosto de 2018

Este artigo contém umas considerações econômicas, sociais e morais sobre a hype, os problemas que isto causa e porque não ajuda ninguém. Foca mais nos videogames, mas serve para outras áreas ou mercados também.

Decidi fazer estas considerações depois de assistir um vídeo do Pew Die Pie chamado E3 CRINGE 2018 [1] e a partir de conversas no nosso canal do Discord também. O título é uma referência ao livro Considerações Econômicas, Sociais e Morais sobre a Tributação, escrito pelo pós-doutor em Economia Adolfo Sachsida [2].

Também resolvi gravar um vídeo lendo mais ou menos e comentando o artigo e, pra deixar mais animado, criei um megawad no Oblige chamado Cult of the Devil e joguei umas fases com o os mods Combined Arms e Brother in Arms pra ficar bem relaxado sem precisar concentrar muito (embora tenha dado pau no vídeo e eu tive que narrar de novo). Vou deixar os links para todos estes mods ao fim do artigo. O vídeo segue abaixo:

Primeiro, vamos definir o que é hype, pelo menos no sentido que pretendo usar aqui, como “uma situação na qual algo é extremamente divulgado e debatido em jornais, televisões e em outros meios para atrair o interesse das pessoas”. Alguém pode dizer, por exemplo, “tem muita hype em torno deste último filme”, ou “desisti de ler o livro por causa da hype”. Ou seja, e não estou resumindo todos os casos a isto, mas podemos dizer que se trata de uma atenção artificial a algum lançamento, pré-lançamento, anúncio ou algo do tipo, forçada para empurrá-lo para os trouxas.

Podemos facilmente identificar hype quando a expectativa ou a falação a respeito de algum determinado produto é injustificável nele mesmo (o que seria a única justificativa decente). Em outras palavras, as pessoas hypadas se deixam levar por outros motivos, seja pelo espírito de manada, vontade de aparecer ou entrosar, problemas de personalidade ou pelo simples desejo de bancar o débil mental.

Porque a hype é ruim

A hype causa pelo menos dois problemas que tratarei aqui. Um deles, e o pior, é que acomoda os desenvolvedores e publishers de jogos. Ora, se o gado já está louco por um título só porque você mostrou pra ele 30 segundos de cinemática em alguma convenção destas aí, pra que esquentar a cabeça caprichando no esquema se vai vender do mesmo jeito? O que importa são as cifras nos bolsos deles e tem que ser muito cabaço pra achar que estas grandes firmas, as que geralmente são as que mais promovem e se beneficiam com a hype, estão preocupadas com aspectos artísticos e a qualidade do jogo e não com o dim dim caindo na conta, ainda mais que estas precisam de mostrar bons desempenhos financeiros para seus acionistas, investidores etc.

Isto já aconteceu antes, embora em escalas muito diferentes, tanto em volume quanto em dinâmica. Tem até um documentário que temos no nosso canal que, em uma das suas partes, mostra como a Atari, depois que adotou esta mentalidade puramente financeira ficou: basicamente, os figurões lá acharam que bastava lançar qualquer porcaria que ia vender do mesmo jeito, e o epitáfio disso foi aquele jogo do ET, uma bomba total. Tem um documentário em nosso site que fala sobre isso. E as consequências desastrosas não pararam por aí, não apenas com esta firma se dando mal, como os consoles caseiros ficaram com uma péssima impressão pro público e o mercado ficou estagnado. Aliás, a Nintendo resolveu lançar o Famicom no mercado internacional, o Nintendinho 8-bit, com um design de aparelho bem diferente de qualquer coisa que pudesse lembrar o Atari 2600 justamente pra evitar que as pessoas pensassem que era apenas mais alguma porcaria. Vi isto em algum lugar.

Dizem que o Nintendinho foi lançado com este design para diferenciar o máximo o possível do Atari 2600.

Dito isto, não acho que o mercado de videogame vai estagnar hoje como aconteceu em meados dos anos 80. Os tempos são diferentes: não apenas os jogos eletrônicos já são uma forma consagrada de entretenimento e as informações correm muito mais livremente (ultimamente nem tanto) e aceleradamente, como e o cenário é enormemente maior em volume e dinamismo. Existe uma centena de gêneros de jogos, uma miríade de plataformas e incontáveis desenvolvedores que variam desde o moleque criando um fangame do Naruto no RPG Maker até os gigantes.

Ou seja, pode ser que um nicho caia em decadência, como aconteceu com os beat ‘em ups, mas não significa que todos os jogos irão pro mesmo caminho. Daí, particularmente, acho que o mercado de grandes lançamentos, AAA e tal, cedo ou tarde, vai entrar em crise. As pessoas estão percebendo que tem algo de errado, embora talvez demore um pouco e o efeito é pequeno ainda. Veja o exemplo do Command & Conquer. A franquia morreu depois do Yuri’s Revenge, mas só agora o pessoal começou a criticar e a condenar a EA em massa. Mas, eventualmente, quando uma parcela significativa do mercado resolver parar de bancar o palhaço, estas firmas vão ter que dar um jeito de lançar jogo verdadeiramente bom, algo que não sabem faz muito tempo, ou quebrar. E tem mais é que quebrar mesmo. O único problema disso é que as grandes franquias e grandes nomes, que uma vez foram pequenos, correm o risco de morrer com elas, pois foram tão queimados que são abandonados pois tem medo de flopar de novo. E o pior é que estes mesquinhos não deixam ninguém criar nada também, com essa conversinha de propriedade intelectual e outros socialismos. Foi mais ou menos isso o que aconteceu com o Duke Nukem, diga-se de passagem: o Ion Maiden, que cobri num Notícias do Facínora, certamente não pôde usar o Duke por causa de copyright, só que a firma que detém os tais direitos também não lança nada com medo de dar ruim, ainda mais depois do fracasso do Duke Nukem Forever.

Outro problema que o hype traz é menos danoso pra mim, mas enche o saco mesmo assim e ainda faz mal pra pessoa: no meio da euforia, o indivíduo tende a perder o senso de ridículo e começa a agir feito um retardado mental, queimando o filme e atrapalhando as pessoas próximas. Isso pode ser visto neste vídeo do Pew Die Pie, mas, por exemplo, suponha que você está procurando informações ou cenas de algum jogo que você está interessado e tem um bando de idiota do seu lado berrando sem parar ou floodando a página ou grupo a respeito do produto com babaquice? Sem contar que, para agradar esses empolgados de merda, o pessoal fica enchendo linguiça com coisas que ninguém em seu estado normal se importaria, como um idiota tocando banjo no meio da convenção ou chamando algum YouTuber zé ruela pra ficar falando groselha. Tipo, nada a ver. Ou seja, além do cringe, da vergonha alheia, isso atrapalha as pessoas de bem.

nem eu.

nem eu.

Elitismo também é ruim

Em contraponto, tenho que dizer que não estou, de forma alguma, fazendo apologia àquele outro tipo de cara chato que costumo de chamar de elitista. Não se deixar se levar pela hype não significa fixar pondo defeito em tudo e caçando pelo em ovo. É óbvio e patente que esse pessoal que só faz críticas extremamente negativas a videogames, parecendo aqueles velhos chatos brigando por um real de troco de pão na fila, não tem nada na vida. Este tipo de coisa dá problema também, visto que o elitista resume a realidade ao seu caráter individual, e, ao fazer isso desconsidera (por desconhecer mesmo) que valor é algo subjetivo. Ou seja, no auge de toda a sua superioridade intelectual de tanto assistir Rick and Morty e Big Bang Theory, estes mentecaptos não sabem que existem infinitos perfis de consumo e o que é ruim pra um pode ser bom pra outro. Ou seja, este tipo de crítica não ajuda o público, é só vontade de parecer melhor do que e, na prática, é só a imposição das preferências ou a visão de um zé mané a todo mundo. É mais um tipo de falação que polui o debate.

Se você acha que reclamar de tudo e ser o Do Contra te faz parecer legal, o Pewds tem um recadinho muito bom pra te dar logo acima. Serve também pra quem fica forçando fanboyolice.

Outra coisa que pode acontecer é quando franquia depende de uma fanbase extremamente elitista, ela pode não evoluir. Qualquer inovação, e inovação é o que traz crescimento, pode ser rechaçada pela atitude irracionalmente purista destes caras. Isto pode levar o jogo a estagnar, sendo que, até o ponto em que algo não está sendo descaracterizado para acomodar SJW ou pra atrair fãs bobocas de jogos que estão dominando a cena em determinado momento, modificações podem ser bem vindas.

O que fazer pra combater?

Pois bem, antes de qualquer coisa, não espere nada capaz de mudar o mundo aqui. O que podemos é mudar a nós mesmos antes, na esfera individual. É evitar ser feito de trouxa, não gastar dinheiro à toa, embarcar em canoa furada ou fazer papel de trouxa por conta própria.

Em primeiro lugar, e mais óbvio, é perguntar a si se quer comprar o jogo pra se divertir com ele ou pra tirar foto e postar no Instagram? Se ao menos sabe do que se trata ou se é pra mostrar que é sofisticado e entendido pros outros? Se te interessa alguma novidade ou funcionalidade que está sendo prometida ou é para entrosar e ficar conversando fiado com os fanboys? Fazer um exame de consciência pra ver se não está fazendo as coisas por pura vaidade ajuda sempre.

Buscar reviews pode ser útil, mas tem que tomar cuidado com as fontes. Grande parte da mídia especializada não sabe de porcaria nenhuma, está sendo pago para fazer análises positivas ou vai dizer que tal título é mil maravilhas devido a algum critério irrelevante como por lacração, alguma referência boboca etc. Às vezes, o autor pode estar louco na hype também e daí não adianta. Procure resenhas de quem você tem confiança ou sabe que tem o gosto parecido com o seu, compare opiniões e pergunte a seus amigos também. É bom pra ter certeza que você vai comprar o que está querendo mesmo.

Segurar o impulso de comprar o mais cedo possível é outra coisa óbvia. O jogo não vai sumir se você não comprar ele na data do lançamento e muita gente faz isso só pra mostrar pros outros, o que é coisa de mongolóide (vide a primeira dica). Claro que a pré-compra é sempre uma oferta atrativa, só que na moral, não tem como prever com certeza o que vai acontecer. É uma loteria… De qualquer maneira, pense bem: dependendo da situação e do limite orçamentário, é melhor esperar e ver se o preço cai depois de uns meses. Às vezes, liberam até o jogo de graça, como aconteceu com o Quake Champions recentemente. Deixar a hype passar pra ver se o game vai continuar com a mesma popularidade, se vai ter gente jogando multiplayer, canais independentes criando conteúdo e tal, pode te ajudar a analisar com mais precisão.

Outra dica que uso bastante é pensar se vou ter tempo pra jogar. Tem muita coisa lá na biblioteca do Steam ou do GOG que comprei em ofertas e nem instalei ainda. A sorte é que foram baratos, mas percebi que, muitas vezes, realmente queria mandar o game, mas sobra nem uns minutos. E pode sempre acontecer que eventualmente sobra um tempo livre e, com sorte, o jogo barateia no futuro. Vale a pena ponderar isso pra economizar uma grana.

Este é meu novo lema de vida.

Este é meu novo lema de vida.

Conclusão

Enfim, é claro que tem vários outros aspectos sobre este assunto que esqueci de considerar aqui, mas só queria falar sobre estes que acho mais evidentes mesmo. Também não estou falando pra ninguém virar uma máquina sem sentimento: ficar ansioso e ter expectativas é absolutamente normal, só temos que ordenar nossos instintos pra não fazer besteira. Também não quero obrigar ninguém a nada. Se você quiser seguir os conselhos, beleza. Se não, vá na fé.

Um abraço do Facínora e até a próxima!

Saiba mais

  1. E3 CRINGE 2018 @ S – Vídeo do PewDiePie que me incentivou a falar sobre este assunto.
  2. Considerações Econômicas, Sociais e Morais sobre a Tributação @ Resistência Cultural – O livro de onde tirei a ideia para fazer o título do artigo. Ele trata de um assunto importante de uma maneira agradável sem perder a didática. Se não estiver em falta, tente pedir lá na página da obra no Facebook.
  3. Combined Arms – Um mod para Doom que substitui o arsenal clássico deste jogo por um pacote de armas bem interessante e poderoso.
  4. Brother in Arms – Mod que implementa um sistema de aliados exageradamente poderosos ao clássico FPS da id Software.
  5. Cult of the Devil – Megawad que eu fiz no Oblige pra jogar e deixar de fundo do vídeo.
  6. Fatos sobre o Nintendo 8-bits que talvez você não saiba – Onde vi o negócio do Nintendinho 8-bit.
  7. Notícias do Facínora 32 – Onde falei sobre o Ion Maiden, o jogo recente da 3D Realms que usa o engine do Duke Nukem 3D, Blood e outros FPS clássicos.
  8. A Era dos Videogame – Documentário que conta como surgiram os primeiros videogames e como eles vieram evoluindo desde então.

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